Ler Nise da Silveira sempre me provoca. Às vezes é uma leve sacudida, outras vezes é um empurrão. “Não se curem além da conta. Gente curada demais é chata.” Toda vez que leio essa frase, alguma coisa em mim mexe. Fico pensando: será que estou me curando demais? Será que estou tentando arrumar todas as minhas bordas tortas? Talvez.
Nise foi uma daquelas mulheres que nunca aceitou as formas prontas. Psiquiatra, revolucionária, ela acreditava que a imaginação era mais real do que qualquer diagnóstico. Que a verdadeira cura não estava em endireitar tudo o que está desalinhado, mas sim em abraçar a loucura que nos faz humanas. O mundo precisa de mais imaginação, dizia ela. E como isso ecoa em mim hoje.
Sei que a vida tem um jeito estranho de nos pressionar a sermos sempre “melhores”, sempre “mais curadas”. Há dias em que tento me convencer de que estou resolvendo tudo, resolvendo a vida. Mas aí vem um texto de Nise e me lembra que não tem nada de errado em estar meio desalinhada, em não se conformar nem com a dor, nem com a beleza que cruzam o caminho.
É engraçado, porque, nos dias de hoje, em que tudo parece tão urgente, como se precisássemos ter respostas para tudo e todos, ler isso é quase libertador. Um lembrete de que a vida não é sobre atingir um estado de paz eterna ou de equilíbrio inabalável. Que viver é isso: se espantar, se indignar, sentir demais.
Às vezes, tudo parece caos – e talvez seja mesmo. Mas aí me lembro de que a criatividade, essa coisa que Nise defendia com unhas e dentes, pode ser o que nos salva. Transformar o caos em arte, fazer com que até os sentimentos mais confusos e os pensamentos mais desalinhados encontrem uma forma de existir.
Por isso, hoje, não estou tentando me curar. Estou tentando viver, assim, com um pé na loucura e outro na beleza. Sem me levar tão a sério, sem tentar entender tudo o tempo todo.
E se, no meio disso tudo, eu conseguir criar alguma coisa, rir de algum tropeço ou até chorar sem motivo – que bom. É aí que a mágica acontece.
Faz sentido pra você?