A Pequena Sereia queria ser humana. Queria sentir o calor do sol na pele, caminhar sobre a terra firme, olhar nos olhos do príncipe e ser vista. Mas, para isso, ela precisou silenciar.
Ela entregou sua voz em troca de pernas. Entregou o que tinha de mais precioso para se encaixar em um mundo que não era o dela. E, nesse processo, perdeu mais do que imaginava.
Hans Christian Andersen escreveu esse conto em 1837. Na versão original, sem as adaptações da Disney, a sereia se dissolve em espuma do mar. O príncipe? Ele nem a reconhece. Não foi pelos seus olhos, ou por sua presença, que ele se apaixonou, mas pelo seu canto. Sem sua voz, ela se tornou irreconhecível, até mesmo para si mesma.
Esse silêncio é mais do que a ausência de palavras. É a negação de quem somos, de nossa essência, de nosso Self, como diria Jung. Quando calamos nossa voz interior, nos afastamos daquilo que nos torna únicas, nos tornamos sombras de nós mesmas, sempre em busca de um pertencimento que jamais será completo.
No conto da Pequena Sereia, vemos o arquétipo do sacrifício. Mas o que ela sacrificou? Sua voz, sua verdade, sua alma. E, sem isso, não há humanidade. Jung nos ensina que a jornada de individuação – o processo de nos tornarmos quem realmente somos – passa por confrontar o que está nas profundezas do nosso inconsciente. E isso não pode ser feito em silêncio.
A sereia queria ser humana, mas esqueceu que ser humana é ser verdadeira. É expressar o que sentimos, mesmo que isso nos afaste de pessoas e lugares. Quem silencia sua verdade se transforma em espuma, se dilui no oceano do conformismo, desaparece na vastidão da indiferença.
Para não nos misturarmos a essa espuma, precisamos recuperar nossa voz. Precisamos resgatar o que foi abafado, sufocado. Precisamos deixar nosso canto ressoar, não em busca de reconhecimento externo, mas como um ato de afirmação de quem somos.
Falar o que sentimos pode nos custar caro. Pode nos afastar de pessoas que não compreendem, de lugares onde não somos bem-vindas. Mas é um preço que pagamos para sermos inteiras, para sermos humanas. Porque, no final das contas, como nos ensina a Pequena Sereia, sem nossa voz, sem nossa verdade, somos irreconhecíveis, até mesmo para nós mesmas.
Que possamos, ressoar nossa voz em alto e bom som. Que nossa verdade ecoe, forte e clara, nas profundezas e na superfície. Só assim nos tornamos verdadeiramente humanas.